Saturday, July 10, 2010

Novos Caminhos

Num dia desses de Junho que convencionamos trocar presentes com nossos respectivos seres amados, ganhei um que me fazia falta há anos. Acho que estava ficando até meio desorientado por conta disso. Mas logo que ganhei, fui tratando de arrumar um nome especial, e assim como B.B. King fez com sua guitarra cantante, o batizei de Lucy. Isso mesmo, meu violão, embora sujeito homem, tem nome de mulher. E não é Lucy à toa... *ri* Só para arrumar o texto, deixa eu explicar uma coisa. É verdade que ganhei o violão, mas instrumentos de um modo geral não podem ser dados como uma blusa que você entra na loja a mede com o olhar, sabe que vai agradar, compra, embrulha e entrega: - “Ta aqui o seu presente, num repara, não. E espero que goste”. Não, com o violão é diferente. Você tem que olhar, cortejar, (se possível piscar para ele antes) pegá-lo, trazer com uma certa malícia para perto do peito, fazê-lo sentir sua respiração para perceber se há consonância e depois lançar os primeiros acordes. Isso, se estiver afinado, caso contrário você vai cuidadosamente acertando-lhe os sons. Esse ritual todo, é só para sentir se aquele cheiro de madeira juvenil se assemelha aos seus ferormônios. Se sim, pode colocá-lo em baixo do braço e sair por aí tocando, cantando e encantando. O que não foi o meu caso. Passei uma semana tocando a mesma música e isso não estava me agradando. Depois, fui lembrando de outras, ouvindo algumas no rádio que meus dedos se encarregavam de achar as notas que ali se adequavam. E logo fui sentindo a presença de Gil, Caetano, Djavan, Paulinho e outros. Desde então, todo esse povo tem vindo me visitar, rotineiramente. Aqui na sala de minha casa entram, sentam no sofá, ficam observando e acabam alegrando mais o dia. Mas o estranho, num dia desses, é que ao me deparar com Chico Cesar sentado à mesa me soprando novos acordes destoantes, voltei a neura da primeira semana. Fiquei debruçado sobre uma música em particular que minha companheira me solicitou parar de tocar. Pois, ela entendia que a letra era um tanto quanto irritante (e de fato é). Isso me chateou, porque gosto de Chico e para não decepcioná-lo, já que ficava ali igual a uma entidade, resolvi utilizar de um subterfúgio. Dei uma piscada pra ele como quem combina algo sem que os outros saibam e modifiquei a letra. Ela amou, e há todo momento me solicita tocar a tal música, mesmo eu provando por A+B que já estou com um repertório mais ampliado e que posso muito bem, produzir novos sons. Enfim! Hã, já ia me esquecendo. Até porque o motivo do texto foi o seguinte. Ontem, vi o Chico andando em uma Rua do Rio (o Chico Cesar de verdade, mesmo! Não era a entidade que vem me observar e ajudar a dedilhar o violão, não), tentei ir atrás dele para comunicar que havia trocado a letra de uma de suas músicas para poder continuar tocando-a e agradar minha companheira, e quem sabe pegar um autógrafo, tirar uma photo, sei lá essas coisas de fã. Mas nada, quando cheguei perto dele, a surpresa me aprisionou a ação. Ele me olhou e sorriu um sorrisão macio como se já tivesse por dentro de toda a estória descrita acima, como se já tivesse trocado a letra da tal música para os seus próximos shows, de acordo com a minha versão. E me restou ficar observando o baixinho sair saindo, até que a multidão o fizesse encontrar novos caminhos...

leo bento
Realengo. 10 de julho, 2010

Thursday, July 01, 2010

EPIGRAMA PARA EMÍLIO MOURA

Tristeza de ver a tarde cair
como cai um folha.
(No Brasil não há outono
mas as folhas caem.)

Tristeza de comprar um beijo
como quem compra jornal.
Os que amam sem amor
não terão o reino dos céus

Tristeza de guardar um segredo
que todos sabem
e não contar a ninguém
(que esta vida não presta).

Carlos Drummond de Andrade