Friday, November 10, 2006

“Quando pobre num dá sorte, dá azar[1]”.

Rapaz, quanto tempo num te vejo. Como é que tu ta?! E a cumadre, lá? Como é que ta?! Legal! É isso aí! O que, que houve pra tu aparecer assim de repente?! Faz tempo que tu num vem aqui pra essas bandas do morro. Ta tranqüilo. Mas cumpadi, tu ta diferente. Por que esse rosto abatido?! Vamo vê se tu melhora. Que não, o que. Vamo toma uma gelada pra relaxar. Pode deixar que eu pago. Tu num ta com a cara muito boa, não. Vamo lá, vamo lá. Oh Baixinho, desce uma gelada pra nós aí. Porra, essa ta gelada mesmo né cumpadi. Sabe qual é cumpadi, to doido pra ralar peito aqui do morro. Num dá mais pra viver assim, não. Amanhã, preciso acordar cedo pra procurar outra batalha. Hoje, já rodei a cidade toda, ganhei uns cinco nãos, mas na última empresa pediram pra voltar amanhã. Cumpadi, quando chego em casa, dá uma dor no peito. Minha menininha às vezes ta chorando porque num tem leite pra botar na mamadeira. Sabe como é que, é. Tem dia que falta, né. Fico com uma raiva do caralho com aquele moleque safado dizendo toda hora que quer um naique, que quer um naique. Naique é o caralho, naique de cu é rola. Agora você vê, dei uma olhada numa vitrine do asfalto e vi que merda era essa. Juro cumpadi, deu raiva. Pra mim essa porra de naique era pirulito, bala, qualquer coisa assim, sabe qual é? Mas não, é uma porra dum tênis mais caro que o primeiro barraco onde eu morava com a mãe dele. Se eu der mole, ele entra pro movimento. Ainda tenho que mandar dinheiro pro outro mais velho que ta agarrado na lei. Tu lembra dele, né cumpadi? Aquele meu menino é que era bom. Então, se ele tivesse aqui, num tinha disso. Meu menino era porreta, aquele ali sabia de tudo um pouco, tinha visão, num era de bobeira, não. Quando ele tava por aqui, isso era uma calma só. Até os home da lei respeitava. Mas o que fizeram com ele foi sacanagem, sei que tinha as paradinhas dele lá, mas o que fizeram foi trairagem. E trairagem das feias. Imagina. Parecia um diplomata dentro do morro. Num ia rodar de bobeira, não. Num era igual a esses bundão que tão aí agora dando tiro nos outro a toa. O negócio aqui ta sinistro. Mas um dia ele volta, vai voltar e num vai deixar barato, não. Às vezes, penso que se ele num tivesse nascido aqui, se tivesse tido só mais um pouquinho de estudo, que ele poderia ter sido um deputado, um senador. Se tivesse tido a chance que o outro teve, num ia deixar acontecer o que aconteceu. Mas não ia mesmo. Né, não cumpadi? Mas porra, foi nascer logo aqui. Com um pai fudido e bêbado. Fico imaginando se meu garoto também tivesse ido logo pro asfalto, se ele pudesse ter estudado naquela escola dos bacana, aquela dos granfino, igual aquele outro lá. Sabe qual é cumpadi, vou pedir outra. Oh Baxinho, traz outra bem gelada aí pra gente. Então, se meu menino tivesse aqui, a gente ia beber era uma caixa, ia beber uma caixa até cair no chão. Mas fazer o que? A vida é assim. Tem horas que a gente ta em cima, tem horas que a gente ta em baixo. Num agüento mais aquela porra daquela mulé lá em casa, toda hora dizendo ta faltando isso, ta faltando aquilo. Cumpadi, num acontece isso contigo, não? Então, é desse jeito. Elas casam com a gente e no início parece tudo as mil maravilhas, até pão saem pra comprar pela manhã, mas depois que o tempo vai passando, não sei se enjoam. Ta certo que eu nunca fui santo, mas então, foi só eu perder o emprego... porra cumpadi, tu sabe como é. No dia que me mandaram para o RH da empresa vim fechando tudo quanto era bar até chegar no morro. Bati cumpadi, mas hoje eu me arrependo. Porra, então num foi. Partiu lá praquele samba maluco e voltou com aquela barriga enorme, ainda teve a cara deslavada de dizer que já tava embigodada. Até hoje tenho uma bolação desse moleque num ser meu. E o pior não é isso, essa porra desse moleque só qué coisa de marca, além de ser o mais clarinho da família. Deixa essa porra pra lá. O importante é que a gente se ama. Se ama mesmo! Qual é cumpadi?! A gente se ama sim, é sério. Ta bom, ta bom. De vez em quando rola umas porradinha de leve, mas tu sabe como é que é. Ela me enche muito o saco. Porra cumpadi, num ta vendo?! Ih, olha só. Essa que ta passando aí é a fulaninha! Lembra, não? Fala sério, ta um avião, né não? Cumpadi, tu nem imagina, até eu já pensei em... mas aí começou a andar com os caras do movimento. E tu sabe como é. Olha que a gente pegou essa menina no colo, nasceu praticamente ontem. Hun?! Nem penso numa porra dessa. Imagina só um bando de galalau em cima da minha menininha. Hum, enfio é a porrada se acontece uma coisa dessa com ela, deus que me livre. Foda-se, se eu morrer! Mas com filha minha, puto nenhum mexe. Isso só pode ser má compania. Isso é culpa da mãe que num olha a filha direito. O cumpadi, qual é? Num to nem te entendendo. To falando contigo aqui numa boa, na moral mesmo e você vem me falar nesse filho da puta. Aquele ali num é meu filho, não. Aquilo é filho de chocadeira. Eu sempre falei pra mulé que aquele muleque tinha que tomar porrada. Muita porrada mesmo. Falava isso desde que ele era criança, ela nunca me deixou levantar uma mão pra ele. Num quero falar sobre isso, não. Porra cumpadi, vai estragar meu fim de noite. Então ta. Vou falar, mas isso é em respeito ao amigo. Agora você vê, eu ralo esse tempo todo, boto comida dentro de casa e aquele pilantra me faz o que faz. Porra cumpadi, eu não queria falar sobre isso, não. Cumpadi, tu num lembra. Naquela época tava foda. Recém casado, primeiro filho, o dinheiro num tava dando pra nada. Maldita foi a hora que deixei ele com a mulher do doutor, pensei que ela fosse botar ele na escola, dar uma vida melhor pra ele. Sim, botou na escola cumpadi. Mas porra, o que adianta?! Aquele infeliz depois de um tempo vinha no final de semana pra cá, ficava aí com o irmão rodando dum lado pro outro, prestando atenção em tudo, tudo que ele fazia dava certo até passar o irmão pra traz ele conseguia e olha que o meu garoto sempre foi esperto. Depois que saiu lá da casa do Doutor, entro nessa onda de sair com mulher do asfalto direto. Foi aquela loira de olho azul que sacaneou ele. Parece até que o cara ficou enfeitiçado. Entrou praquela merda de faculdade que serviu pra afastar ele cada vez mais. O filho da puta num sabe nem o nome dessa merda de irmão que a mãe arrumou no samba, nem conhece a mais novinha. Hoje, taí. Aparece direto na televisão falando difícil. No fundo sinto um pouco de orgulho, mas o que adianta?! Você sabe qual foi a última vez que aquele infeliz esteve aqui na comunidade, cumpadi? Então, nem eu lembro. Aquele infeliz esqueceu de tudo. Esqueceu de onde veio, esqueceu da mãe, de mim eu não falo nada. Mas veja cumpadi, o filho da puta esqueceu até que é preto. Só anda de carrão do ano que eu fiquei sabendo. Então, cumpadi num ta vendo. Até você sabe que ele tem andado aqui por perto. Vai ver ta até procurando a gente. Pois é, quem sabe. Se bem que eu to precisando mesmo. Vai que traz uns milhão. Ta até morando num apê de frente pra praia que eu fiquei sabendo. Mas me diz aí. Qual foi a última vez que te tomou a benção. Então, num merece muito ser lembrado, não. Tu não acha? O que? Como assim? Na entrada da comunidade. Hoje? Sério mesmo, cumpadi? Porra, vagabundo num ta respeitando mais porra nenhuma, né não cumpadi. A polícia pegou na hora e matou o garoto. Caralho, que merda. Ainda bem que dessa vez a polícia fez algo de útil. Mas conta aí, como é que foi cumpadi?! Ham, o granfino tava entrando na comunidade e procurando número de casa. Sei. Ta ruim até pra gente que mora aqui, se num identificar, roda mesmo. Sério cumpadi? Atirou na cara do playboy e a polícia tava entrando na hora. Morreram os dois, né? Cumpadi, tu ta estranho desde a hora que eu cheguei. Conta aí. O que houve? Algum problema lá com os seus garotos? Como assim? Num to entendendo. Como assim, não é nada? Tu ta até chorando. Então ta, a gente deixa essa porra pra lá, vai ver é alguma coisa de minha cabeça. Cumpadi, é o seguinte, to saindo. Vo dormir que amanhã saio cedo novamente, deixa eu pagar essa aqui. Que porrada de gente é essa na minha porta? Porque, que esse povo ta me olhando assim? Mulé, que porra é essa?! Ta chorando por que? Não, num é possível. Cadê o garoto? O que, aquele puto também? Caralho, não é possível. Perdi os dois, sai que eu to passando mal, num quero água, não. Minha vista ta estranha, ta tudo ficando escuro ...


[1] Gonzaguinha.

Méier. 13 de outubro, 2006.
leo bento

Calma aí mocinha...



Ele tava na calmaria e Ela também. Um dia, decidiram sentir a emoção. Gostaram tanto que passaram a intercalar emoção com calmaria. Ele decidiu ter a calmaria com Ela. Ela ficou com medo de trocar uma estabelecia por outra nova. Também Ela nem sabia se seria realmente uma calmaria ou não. Então Ele logo optou pela emoção. Ela o jogou na roda sem dó nem piedade para que um dia Ele voltasse como deveria de ser. Muita pretensão dizer que “Ela o jogou na roda”. Diga-me uma coisa então, quando eu disse que Ela não era pretensiosa? Ela o jogou na roda e pronto! Vai Super Negão, Preto da Noite, Malandro de merda, ta na hora, vai se FODI (com letras garrafais)! E Ele como um bom malandro, gostou! E como gostou! Ia prum lado, ia pro outro... às vezes, tentava a calmaria em algum lugar, em algum porto que achava ser seguro. Mas sina de malandro tu sabe como é. Se não sabe, pode conversar com Ele, já virou otário mesmo. Mas Ele parecia não ter mesmo jeito, quando menos se esperava Ele em pouco tempo já estava tendendo pra outro lado. Ela, ficou no seu mundinho calmo, no máximo, trocou de uma calmaria pra outra. Tudo bem, Ela também gostava da emoção... mas não sem ter a segurança da calmaria. Às vezes, Ele tendia pra bem pertinho dEla. E Ela pensava que Ele ia parar ali, bem na sua frente. Mas não, Ele parava do outro lado. Outras vezes, Ele queria parar ali, mas Ela só queria ter olhos pra calmaria. Algumas vezes Eles até se encontraram, mas logo Ele voltava pra emoção e Ela pra calmaria. E o tempo foi passando, passando e Ela se enganando na felicidade dos outros aguardava pendurada e tentando se equilibrar numa confiança ‘agônica’. Ela então, decidiu acabar com esse sofrimento. Falou pra Ele não parar mais ali. Ele sempre insistente. Ela negava, dizendo um não sei lá no fundo. Ele insistia mais ainda. Ela se esforçava pra continuar negando. Até que Ele percebeu que a emoção já não era mais tão boa. Ele queria a calmaria!!! Se fudeu demais! E ela? Ah, Ela tava era cansada da porra de calmaria chata que havia se metido. Ela queria Ele!. Eles se encontraram. Eles se queriam! Ela sabia a hora certa. Ele parou!. Ela teve medo. Mas Ele disse com um sorriso estampado no peito: - Fica com medo, não! Vou machucar, não! Vou machucar, não! Fica com medo, não!
'
aespacial, atemporal'!
Luciana Barrozo & leo bento!