Friday, April 28, 2006

Preguiça quizilante!

Muitas vezes penso ter sido modelado com preguiça. Nessas horas, tudo que quero é curti-la vagarosamente, sem pensar no dia de amanhã. A merda é quando querem retirar minha preguiça a força. Porra, é assim que funciono, foi assim que fui feito! Fui feito preguiçosamente. Pra nascer foi um parto, literalmente um parto. Minha mãe ficou sete dias sofrendo as contrações, sai pro mundo porque fui empurrado. Só fui começar a engatinhar lá pros cinco anos, andar de sete pra oito, as primeiras palavras só comecei a vomita-las na décima idade – aqui, posso explicar minha inabilidade com as mesmas. Estou falando sério fui feito com preguiça. Quando comecei a aprender o ‘be a bá’ deu raiva em mim mesmo. Essa parte irei pular, essa e muitas outras. Então, deixa eu chegar logo no meu objetivo. Quando descobri o doce perfume feminino perdido dentro de alguns livros, onde se guarda o amor e onde se esconde a paixão. Passei a sentir um órgão pulsando quizilante em meu peito. Hum! Nunca mais fui o mesmo!

Belford Roxo, 23 de abril de 2006.
Leonardo Bento

Thursday, April 13, 2006

Paiamoramiga

Pai não precisa falar com o filho faça isso, ou faça aquilo. Quando o pai é pai, basta um olhar! Então, foi dessa forma que Tiãozinho aprendeu. Num dia de domingo chuvoso, ele acordou, desceu a escada e cruzou o corredor. Na sala colocou um Paulinho na vitrola pra relaxar, enquanto o café passava na cozinha. E sentou-se na copa ao lado do grande arquiteto do seu ser.

Para quem não sabe, o grande arquiteto do seu ser era nada mais nada menos que seu pai. Claro que sua mãe teve a participação nessa criação, mas ela é a Musa do Universo. Está muito além para ser retratada aqui nesse momento de qualquer maneira. Voltemos a ela numa outra hora, quando estivermos com mais calma e menos sangue no olhar.

Então, no fundo dos olhos de seu pai pôde perceber que a cerveja não bebida de ontem, não pode ser bebida hoje. Não é a mesma coisa. Percebeu que o almoço desperdiçado, não pode ser reposto. Tipo, Tiãozinho ficou uns três dias sem almoçar e quando chegou o final de semana quis repor tudo de uma ‘vez-zada’ só. Num deu e nem coube. Resolveu expandir essa tal idéia para o amor. Quando fez isso entendeu perfeitamente que o amor não pode ser postergado de qualquer maneira. Entendeu que o amor não pode ser dispensado hoje, para logo em seguida ser retomada numa esquina vazia.

Tiãozinho viajou nas lembranças e sentia que as mudanças eram de fato necessárias. Ficou muito feliz quando se recordou de ter versado com uma parceira de copo que já passa a tratá-la dentro de si como uma nova amiga. Ela diz que a melhor coisa no ser humano é a capacidade de mudança, de experimentar coisas novas, mesmo que essas experiências fiquem restritas somente à sua imaginação. Tiãozinho passou a agradecer às Deusas por terem colocado-a em seu caminho. Dessa forma fica se vangloriando por tê-la ganho, soube fazer com que o cativasse, sem que a mesma percebesse.

Mas retornando àquela idéia anterior colocada por seu pai e traçando uma convergência com as idéias da nova amiga. Aliás, nova é o ‘escambau’, tinha certeza de conhece-la de vidas pregressas, ainda mais depois da saraivada de Wilson Batista, Geraldo Pereira, Cartola (sem óculos) e tantos outros ali naquele bar que Ismael Silva costumava freqüentar..

Aprendeu, depois da recordação da amiga e do exemplo do pai, ao olhar o negrume do café naquela xícara, a voz dela inigualável e penetrante, que mostrava o amor, assim como o rio de Heráclito, impossível ser vivido uma só vez. Mas muitas e muitas vezes. Além de aos poucos ir se transformando, multiplicando e em determinados momentos se dividindo.

Brejinho, 13 de abril, 2006.

leo bento

Monday, April 10, 2006

Ele ouviu falar de amor pela primeira vez!

Quando Ele ouviu falar de amor pela primeira vez, foi num campo de futebol próximo à sua casa. Para ser mais exato, o campo era uma das ruas do morro onde morava e costumava jogar bola com os colegas de infância. A molecada tava toda lá. Tudo muito desorganizado, todos atrás da bola ao mesmo tempo. Ali, eles chutavam, corriam, gritavam, xingavam a mãe de um qualquer e isso acontecia “todo santo dia, porque todo dia é santo”. De uma hora pra outra, o Cara cruzou a esquina, passou rente aos muros da vizinhança para não atrapalhar o futebol da garotada e parou em frente ao portão de sua casa. Fez o sinal da cruz abruptamente, respirou fundo e bateu estrondosamente com a mão aberta no portão. O Cara estava transtornado! Diva olhou assustada da varanda do quarto, no segundo andar, e parecia não querer descer. Diva já sabia que seria pior se fizesse realmente o que desejava. Foi se arrastando quarto adentro, desceu a escada arranhando as paredes com as unhas para postergar um pouquinho mais o reencontro. Atravessou o quintal como se os pés estivessem enraizados. Quando Diva abriu o portão, o Cara retirou da bolsa tudo que havia lá dentro. Primeiro foi um canivete, depois um punhal, uma faca de pão, uma faca com ponta, vários revólveres de diversos calibres, uma pistola cromada e outra prateada (linda, parecida com aquela do filme que passou ontem na TV). Você pode não acreditar, mas até uma bazuca o Cara retirou da bolsa. Com a cena, o espanto foi geral! A molecada da pelota saiu correndo. Estavam prevendo o que iria acontecer. Todos se foram! Todos se esconderam! Exceto Serginho, o filho do casal, e Ele. Ambos sentaram em frente à casa do outro lado da rua. E Ele aproveitou para ouvir falar de amor pela primeira vez. Serginho nem deu muita importância, já estava acostumado com esse amor diferente dentro de casa e imaginou saber como tudo ia acabar. Sua angústia era tudo estar ocorrendo na rua daquela forma. Serginho e Ele (embora crianças) eram muito amigos, se conheciam de vidas pregressas. Ao chegar no portão, Diva se posiciona. O Cara atravessa o olhar dentro dEla. Seus olhos estão avermelhados e vomitando todas as imundícies referentes a rancor e mágoa sobre a mulher. Diva baixou a cabeça, não por submissão, mas por vergonha. Vergonha de mostrar que o amor havia fenecido, de mostrar que o amor já se encontrava no mundo dos pés juntos. Diva sabia que era forte o suficiente e bastava um olhar para fazer o Cara cair de tão vazio que se encontrava. Teve compaixão. E Ele ali do outro lado ouvindo falar tudo sobre amor pela primeira vez. De repente, Serginho sai de perto dEle, atravessa a rua e abraça Diva. O Cara, seu pai, ordena que Serginho entre e arrume as coisas – por isso ele não esperava, mas não esperava mesmo. Diva continua ali parada com o olhar perdido e sem se permitir um movimento. O Cara e Diva continuam lá em baixo em frente ao portão. E Ele está lá do outro lado da rua ouvindo falar de amor pela primeira vez. Serginho, lá em cima no quarto, coloca todas as roupas numa dessas bolsas de supermercado. Eram todas as coisas que possuíam, pois era tudo que tinham. O único vestígio dEla que ficou, foi o seu aroma espalhado pelos quartos, pelo banheiro, pela sala, pela cozinha e pelo ar. Quando Serginho chega no portão, olha pros dois. Primeiro olha para o rosto do Cara, com muito nojo, que continua vomitando imundícies com o olhar. Depois olha pra Diva, já toda emporcalhada com toda aquela sujeira até o pescoço e aquele odor fétido que agora exalava de seu corpo. Serginho cumpre o papel de pai. Limpa e abraça Diva. Sente o corpo dEla gelado, era o amor que morria, sente o odor da putrefação, era a paixão que já começava a entrar em decomposição. Serginho segura sua mão fria – pois o amor já havia morrido dentro dEla. Se encaminham para o meio da rua, obedecendo o último sinal do Cara que havia assumido a posição de mando... Serginho olha para Ele do outro lado da rua, dá um adeus meio tímido e sem retorno. Pois, Ele ainda estava ali ouvindo falar de amor pela primeira vez. O Cara sorri, guarda as armas e regurgita as imundícies lançadas sobre Diva. Ao perceber Diva dando os primeiros passos para descer o morro de mãos dadas com Serginho, o Cara bate o portão, atravessa o quintal voando, sobe a escada num piscar de olhos e na janela do quarto, no segundo andar, abre uma cerveja e acende um cigarro barato. Faz tudo isso com um sorriso no canto da boca. Ele do outro lado da rua, no primeiro dia que ouvia falar de amor, já o encontra de mal com a vida, mau humorado, dando adeus ao mundo, descendo a morro de mãos dadas com seu filho e dizendo que tentaria tudo outra vez – recomeçar! E Ele que ouviu falar de amor pela primeira vez, não entendeu nada! Ficou um tempo pensativo e jurou nunca se apaixonar. Ao cruzar a primeira esquina vislumbrou uma menina de saia rodada, com uma cadência malandra no andar e um sorriso maroto tão gostoso, mas tão gostoso, que o fez sentir frio na barriga, na espinha, tremor nas pernas, perca momentânea da fala, além de uma batida descompassada do coração digna de quem está ligeiramente...

Brejinho, Março de 2006
leo bento